Uma questão de perspectiva

Uma questão de perspectiva

Há alguns anos atrás mostrei ao meu filho mais velho o videoclip da canção ‘All I need’, dos Radiohead. Sempre adorei as músicas desta banda e quando vi o clip, que achei belíssimo, pensei que ele iria gostar de o ver. Estudante e praticante de um instrumento com reportório essencialmente clássico, está sempre aberto a conhecer formas diferentes de expressão musical do que as que ouve no conservatório. Para quem não conhece, o vídeo ilustra, num ecrã divido ao meio, um dia na vida de uma criança do primeiro mundo e o mesmo dia vivido por um grupo de crianças operárias de um qualquer país asiático. Esta dicotomia entre vidas completamente antagónicas, com graus de dificuldade e dureza opostas, faz-nos inevitavelmente pensar em questões como o contexto económico, social ou cultural em que nascemos e a forma como este influencia a nossa vida e as oportunidades que nos vão surgindo pela frente. Também nos faz relativizar as aparentes dificuldades que vamos sentindo no quotidiano e que, se na altura nos parecem intransponíveis, são em circunstâncias normais ultrapassáveis com menor ou maior esforço. Na maior parte das vezes, é justo dizer que a forma como vivemos depende essencialmente de nós e das escolhas que vamos fazendo, da adaptabilidade que adquirimos, do grau de exigência que nos impomos a nós mesmos. Temos ou tivemos as oportunidades e, bem ou mal, temos também o livre arbítrio para fazer da nossa vida o que bem entendermos.

Todas estas considerações são decididamente mais verdadeiras se a nossa infância se tiver parecido, na essência, com a que é retratada do lado esquerdo do ecrã, no vídeo dos Radiohead. Eu não acredito necessariamente no determinismo e penso que, por mais obstáculos que a vida nos coloque à frente, é sempre possível aspirarmos a algo mais, estabelecer metas pessoais e, porque não, ultrapassá-las. Podemos até virar a página a situações particularmente infelizes ou penosas e alcançar objectivos que nos podem ter parecido, por vezes, remotos ou até absurdos. Esta ambição, ou qualidade aspiracional, é essencial à materialização de qualquer projecto, seja ele de natureza pessoal ou profissional.

Reconheço porém que haverá circunstâncias em que a influência num indivíduo de tudo o que o rodeia pode ser esmagadora, de modo a cortar-lhe toda e qualquer possibilidade de realizar as suas aspirações ou até de as ter. Serão situações extremas, em que o que está em causa é a mais elementar sobrevivência diária. Muita gente no mundo viverá nestas condições. Felizmente, nunca tive, nem a maior parte das pessoas que conheço, de experimentar condições tão extremas e miseráveis. Podemos viver uma época particularmente difícil, desanimadora ou até depressiva, mas movimentamo-nos num casulo de conforto e bem estar que nos deveria relativizar as dificuldades. Temos também a opção de decidir mudar, arriscar, procurar oportunidades noutros locais menos deprimidos ou noutras áreas de negócio. A tal adaptabilidade. Penso realmente que é uma questão de perspectiva, de pesar de forma objectiva os pratos da balança.

No fim do vídeo o meu filho, na altura com 10 anos, disse-me que tinha gostado muito, tanto da música como das imagens. Animado com a sua resposta arrisquei a pergunta óbvia: Com qual das realidades representadas no vídeo é que ele se identificava mais?

A sua resposta não foi a que eu esperava ouvir e confesso o desconcerto que na altura senti. Provavelmente influenciado pelo facto de estar habituado a ter de fazer a cama, arrumar o quarto e ajudar em algumas tarefas domésticas, nem sempre com prazer evidente, o meu filho identificava-se com o duro quotidiano das crianças operárias retratadas do lado direito do ecrã.

Quando o fiz ver a injustiça e evidente disparate da sua resposta e a sorte que tem por viver como e onde vive, mudou, envergonhado, de opinião.

 

2011


Mais uma vez, é tudo uma questão de perspectiva…

Radiohead ‘All I need” http://www.youtube.com/watch?v=cdrCalO5BDs