Tigres, baleias e outros bichos

Tigres, baleias e outros bichos

Nos dias de hoje, vivemos com um grau de conforto infinitamente superior ao dos nosso antepassados. E a verdade é que o engenho humano inventa todos os dias novas soluções que facilitam o nosso quotidiano e aumentam a nossa comodidade.

A facilidade com que, salvo por razões económicas, realizamos muitos dos nossos desejos, por mais inauditos ou sofisticados que sejam, faz-nos por vezes esquecer o seu impacto no que nos rodeia. Cedemos a caprichos consumistas e temos exigências de possuir o último gadget. Rimo-nos com um ar superior quando pessoas de gerações anteriores nos dizem: “vocês são uns privilegiados, no meu tempo …”, sem percebermos que os nossos filhos olham para nós com ar idêntico. A realidade é que nos últimos 60 ou 70 anos, cada geração se pôde dar ao luxo de ter um grau de exigência e sofisticação maiores do que a anterior. No fundo, de ter mais coisas como certas na sua vida, deixar por exemplo de ter de esperar pela estação do ano correcta para comer determinado fruto, que passa a vir, se preciso for, do outro lado do mundo.

As comunicações são talvez o melhor exemplo do que digo: Quantos de nós não experimentámos já uma profunda desorientação por nos esquecermos do telemóvel em algum lugar ou uma enorme irritação por estar umas horas, no local de trabalho, sem acesso à internet, por algum tipo de falha? Quando isso acontece conhecemos uma sensação de que nada funciona, de total impotência. E de que é inadmissível. Estamos de tal forma condicionados por determinadas ferramentas, processos de trabalho, facilidades, que nem sabemos bem o que fazer para suprir a sua falta.

Considero-me, a cada dia que passa, mais bem informado acerca de questões tecnológicas. O computador é uma ferramenta essencial no meu trabalho, domino relativamente bem diversos programas, penso que sou até bastante auto-suficiente, como demonstrei num post anterior. Mas acho que é bastante fácil cair-se numa excessiva dependência tecnológica, em que se por acaso fossemos acampar para um lugar remoto, em que os telemóveis não tivessem rede e não pudéssemos ir às redes sociais, teríamos quase que fazer uma cura de desintoxicação, como se de uma adição se tratasse. E demoraríamos a deixar-nos enredar pela beleza e simplicidade do que acontecia em nosso redor. Acho que, por uma questão de equilíbrio pessoal e de valorização do conforto quotidiano, nos devíamos impor, de vez em quando, uma fuga à sofisticação que envolve o nosso dia-a-dia, passando uns dias num ambiente muito mais rudimentar. No fundo, rodeando-nos apenas do que é efectivamente essencial.

Sou também um optimista e acredito no potencial e bondade do engenho humano. Recuso, por princípio, visões catastrofistas do mundo em que o homem irá perecer engolido pela tecnologia que desenvolveu para o servir.

Mas sendo optimista tenho também um olhar preocupado sobre os recursos e o uso que deles fazemos. Sendo pai de.3 filhos, preocupo-me sobretudo com o mundo que lhes deixarei quando já cá não estiver. E com a enorme quantidade de pequenas coisas que damos por garantidas, que sempre conhecemos e que não nos passa pela cabeça que possam deixar de existir. Mas, com o que sabemos hoje, deveria ser óbvio para todos que alguma coisa tem que mudar na forma como nos apropriamos dos recursos que o nosso planeta proporciona, para que os nossos descendentes possam conhecer um mundo semelhante ao nosso, rico em biodiversidade, cheio de experiências únicas.

Que possam cheirar determinada flor, deliciar-se com um pouco de mel ou com um fabuloso peixe grelhado. Banhar-se nas águas geladas de um rio, ver com os próprios olhos seres tão fantásticos que nem com muita imaginação julgavam existir. Como tigres, baleias e outros animais.


Este texto é a versão em português de um post em inglês com que participei no último LetsBlogOff. Este evento, que se realiza aproximadamente a cada duas semanas, tem, a cada edição, um tema que é desenvolvido pela comunidade cibernauta. O tema da última edição era “What do you take for granted?”. Qualquer pessoa pode entrar nestes eventos, desde que tenha um blog, uma conta no twitter e produza o texto em inglês. Podem ver abaixo um link para a minha participação original, bem como para os textos dos outros participantes.