Para além do 'Factor Uau'

Para além do 'Factor Uau'

O termo “factor Uau” foi inicialmente utilizado para referir as qualidades intrínsecas de cada pessoa, que a elevam, a tornam única e diferente das demais. Num determinado indivíduo pode referir-se a óbvias capacidades de liderança, noutro a aptidões fora do vulgar para a matemática, noutro a um instinto maternal exacerbado. Resume as características que sobressaem, de forma mais ou menos evidente, naquela pessoa e a tornam memorável para os outros. O mesmo termo tem também sido associado às mais diversas áreas da actividade humana.
O conceito, tão debatido nestes tempos de aceleração da forma como nos relacionamos com o conhecimento, é aplicável à arquitectura, mas também aos campos da música, cinema, fotografia, design, publicidade e muitas outras artes visuais. Tem a ver essencialmente com a sensação de agrado imediato que temos quando vemos ou ouvimos algo que nos surpreende positivamente. Privilegia a gratificação instantânea, reforçada por vezes por um entusiasmo que exterioriza a espectacularidade que encontramos naquela imagem, espaço ou ocorrência. E associamos qualidade às coisas pelas quais experimentamos esta sensação. Estabelecemos com elas uma relação de enorme empatia e achamos obviamente que sobressaem das demais.

Mas se por um lado esta qualidade (wowness) é importante naquilo que produzimos, de modo a destacarmos as nossas criações das dos nossos concorrentes, neste mercado voraz e feroz em que nos movimentamos, não é menos importante que, após o apelo inicial, as coisas continuem a funcionar e a demonstrar, no quotidiano, o acerto das suas premissas. No fundo, mais importante que o impacto inicial que nos provocam, é fundamental que gostemos cada vez mais das obras arquitectónicas ao longo do contacto que vamos tendo com elas. Que com o passar do tempo, à medida que as mesmas vão ganhando patine e perdendo a imaculada inocência da juventude, continuemos a achá-las funcionais, belas e inspiradoras.

Como nas relações humanas, mais importante que uma paixoneta, ou que uma atracção fútil por algo muito belo, é o amor duradouro. Este adora as qualidades e aprende a conviver com os pequenos defeitos. Optimista, chama-lhes “traços de personalidade”, porque assim como não existem pessoas perfeitas, não há obras isentas de imperfeições. E não há mesmo bela sem senão…

Cada bom projecto tem, na sua essência, uma ideia forte que conta a sua história e é perceptível como o seu ponto alto. É o seu “factor Uau”. Mas o mesmo projecto resolve também, de forma mais invisível, um conjunto de pequenos problemas indispensáveis a que faça sentido e funcione como um todo. Tem espessura para além do que aparenta à primeira vista. Exige mais do que uma análise. E não é nunca óbvio.