O momento decisivo

O momento decisivo

Sou um utilizador fervoroso do computador e das suas possibilidades, mas mesmo naqueles projectos em que começo desde o início a utilizá-lo, volto sempre ao bom e velho papel e ao rápido e expressivo esquisso exploratório. Sim, porque, ao contrário do que possa ser a convicção generalizada, os arquitectos ainda usam papel.

Conservo, como imagino que o façam muitos dos meus colegas, imensos blocos de esquissos, das mais variadas dimensões e feitios, dos luxuosos Moleskine às vulgares sebentas de capa mole. Muitos estão incompletos e volto a eles com intervalos de anos (de décadas em alguns casos). Estão cheios de desenhos, notas e pensamentos. Mas muito do trabalho que faço é mental. Ou seja, não me é fácil desligar ao fim do dia, continuo a pensar nos problemas que tenho para resolver, especialmente nas fases conceptuais dos projectos. É por isso que, em muitos dos meus trabalhos, o esquisso principal, aquele que, para mim, constitui o momento decisivo daquele projecto, acaba por ser executado noutro local. Por vezes, posteriormente, não é fácil encontrá-lo, por uma razão muito simples: Pode ter sido feito numa toalha de mesa dum restaurante, num guardanapo de papel, nas costas de uma folha em que tirei notas numa reunião, enfim, no primeiro pedaço de papel que estiver à mão.

A maioria dos esquissos principais são bastante abstractos para todos, menos para o seu autor e eventualmente para os membros da sua equipa, se com ele estiverem sintonizados. Para além disso, são muitas vezes pequenos rabiscos de aspecto duvidoso.

São por vezes hesitantes e exploratórios, outras feitos de uma só vez, com a certeza de quem julga, ou sabe, que teve uma boa ideia. Alguns são simples, sucintos e elegantes, outros são sujos, confusos e insondáveis, como se o seu autor estivesse perdido num selva densa, com uma catana, tentando desesperadamente encontrar o seu caminho no meio do matagal que o envolve. Há esquissos que transmitem calma e segurança, outros reflectem momentos de raiva ou desespero.

Alguns são seguidos até ao fim, outros não resistem a um olhar crítico e são substituídos por uma ideia melhor. Deixam de ser “O esquisso”.

O que os torna essenciais é serem a chave daquele projecto, o clique que desfaz o nó de problemas ou resolve graficamente a equação em que trabalhamos. Estabelecem a regra, a lógica do que vamos explorar e muitas vezes encerram o essencial da geometria que utilizaremos.

Podem ser volumétricos e explicitar a relação e forma dos volumes que irão materializar a nossa ideia, mas podem também ser apenas compostos por um emaranhado de linhas que para nós faz todo o sentido. Podem resultar do que sentimos quando fomos ao lugar para que estamos a projectar, mas também de uma longa reflexão racionalista ou de um instante expressivo e aparentemente irracional. E também de uma inspiração da mais insólita proveniência.

No fundo, no que toca a questões de imaginação, o céu é o limite. Ou talvez o limite se dirija, nas sábias palavras de Buzz Lightyear (*) “para o infinito e mais além!”

*) Personagem da saga de animação da Pixar “Toy Story”, Buzz é um astronauta, ou melhor, um “Ranger do Espaço”, que encara o desconhecido com um sorriso nos lábios e grande confiança nas suas capacidades.

Setembro de 2011