Escolhas

Escolhas

Quanto do que fazemos na nossa vida é uma escolha deliberada e construída, e quanto resulta de um somatório de acasos?

Vem este pensamento a propósito de uma conversa delirante que tive com a minha filha mais nova, há algumas semanas.

Falávamos sobre uma viagem de elevador que ela tinha feito, em que se apercebeu que no painel de comando os pisos estavam também indicados em braille. Perguntou-me como se aprendia aqueles estranhos códigos e, antes que eu tivesse tempo de responder, declarou com ar solene que ainda bem que não é cega, porque não teria jeito nenhum.

Ficou um bocado ofendida com a minha sonora gargalhada. Expliquei-lhe que ser cego não é propriamente uma escolha, é algo que simplesmente acontece. Ninguém o escolhe ser, por razões óbvias, e acontecendo, tem que se apetrechar com todas as ferramentas para conseguir levar uma vida tão qualificada e independente quanto possível, sendo a aprendizagem de braille uma dessas ferramentas.

Ou seja, há casos em que pouco importa, na verdade, a habilidade ou sensibilidade que temos, quando é indispensável à nossa subsistência, à nossa qualidade de vida, adquirir determinada competência.

Diz-se muitas vezes que, quando perdemos um sentido, os outros são mais estimulados e acabam por se desenvolver mais do que o habitual. Um invisual terá provavelmente um tacto muito mais apurado que alguém que se relacione com o meio envolvente essencialmente através da visão. Se fecharmos os olhos, sentimos os estímulos tácteis com uma sensibilidade renovada, que porventura desconhecíamos. Experimentamos a surpresa de termos uma maior percepção táctil do que supúnhamos possível.

Que ilações tiro desta reflexão para a minha vida de arquitecto e empresário?

A verdade é que, à beira de completar meio século de existência, concluo que a maioria do meu dia a dia profissional resulta mais de uma sucessão de acontecimentos casuísticos do que propriamente de um planeamento muito consciente.

Foi um somatório de acasos, alguns dependentes de escolhas conscientes que fiz, mas a maioria resultante de uma conjugação de fatores externos, que originou que eu esteja onde estou agora.

Não quer isto dizer que eu não tenha uma palavra a dizer sobre o meu quotidiano.

Prefiro pensar que a vida nos coloca desafios sucessivos pela frente, e que na maior parte das vezes depende de nós, do nosso empenho, seriedade, força de vontade e determinação conseguir superá-los. Muitas das vezes vemo-nos colocados em situações desafiantes, que não vislumbramos a priori como ultrapassar. Podemos retrair-nos, regressando à nossa zona de conforto, ou encarar as circunstâncias com algum grau de temeridade (e porque não, loucura) e fazer o nosso melhor para superar os problemas. Escolhas, mais uma vez…

A foto corresponde a uma das cenas finais de “O náufrago” (Cast Away), filme de 2000 de Robert Zemeckis. Nem sequer acho que seja um grande filme, mas sempre gostei deste final bastante poético, metáfora de recomeço e da extraordinária influência que uma simples decisão, uma escolha, pode ter nas nossas vidas.

Porque a verdade é que as escolhas que fazemos não têm todas o mesmo peso. Há decisões banais do quotidiano, que fazemos milhares de vezes por dia, e há também decisões que encerram em si mesmo uma enorme carga determinística, pela mudança que podem provocar nas nossas vidas e nas dos que nos rodeiam.

Acho que ainda vou voltar a este tema mais vezes…