Deus está nos detalhes

Deus está nos detalhes

Muito se tem discorrido sobre este aforismo, que já vi ser atribuído aos mais diversos autores, desde o previsível Mies, a Einstein ou ao renascentista Miguelângelo. Também se discute se a frase original será mesmo assim ou se, pelo contrário, é o diabo que está nos detalhes. Confesso que não me interessa muito o rigor semântico ou a correcção científica.

Quando ouço esta máxima, acho sempre que se aplica à minha área de trabalho. Parece aliás ter sido feita a pensar na arquitectura. E faz-me todo o sentido que assim seja.

A verdade é que os detalhes são de facto importantes e o que distingue, muitas vezes, a boa e a má arquitectura. Seguramente facilitam a distinção do que é ou não arquitectura, do que é intencional e o que é casuístico.

Cada projecto tem uma lógica própria, que se revela ou procura em determinada fase do processo criativo e que deve, a meu ver, ser seguida de forma objectiva, de modo a dar-lhe consistência. Uma boa solução em determinado contexto pode não o ser noutro, pelo que se deve partir para cada projecto sem grandes ideias preconcebidas, explorando da melhor forma as regras intrínsecas à ideia que se está a explorar. Não quero dizer com isto que se deva estar sempre a tentar descobrir a roda, antes pelo contrário. Acredito que a maior parte das coisas já está inventada, o nosso trabalho é recombiná-las da melhor e mais atraente forma que nos for possível, face ao contexto e à linha narrativa que estamos a explorar em cada momento.

Naturalmente que quando um arquitecto encontra e testa com sucesso uma solução para um determinado problema construtivo, tem tendência a repetir essa resposta noutros projectos. Nada tenho contra esta opção e eu próprio já o fiz diversas vezes. Já me parece que quando a dita repetição não se enquadra nas regras de um projecto e ainda assim é utilizada, se transforma num tique de linguagem, um alien ao processo. Mesmo que seja uma imagem de marca, adquire uma conotação negativa. Para além de que acredito que uma obra não tem que ser imediatamente reconhecida como sendo de determinado arquitecto. Penso que problemas diferentes devem ter respostas diversas. O fio condutor do percurso de um criador deve ser a sua qualidade a cada momento, não a analogia estética entre as suas obras.

Quando se visita uma obra arquitectónica bem conseguida, há muitas vezes pequenos pormenores que nos despertam a atenção pela sua proporção, acerto, originalidade e qualidade que conferem ao conjunto. Há nessas situações uma qualidade holística, em que cada peça concorre para um todo coerente e harmonioso e é dele indissociável. É parte integrante do seu ADN. Estes detalhes fazem a diferença e fazem também todo o sentido, exaltam a componente artística daquela obra, induzem-nos uma elevação no estado de espírito. São no meu entender manifestações do sagrado. Fazem-me crer que é de facto Deus que está nos detalhes e não a concorrência...