De Howard Roark a Steve Jobs

Há um livro, que todos os arquitectos deveriam ler, chamado "Vontade Indómita" (no original "The Fountainhead"), escrito em 1943 pela americana Ayn Rand. O livro deu origem, poucos anos mais tarde, a um célebre filme de King Vidor, em que Gary Cooper interpreta o papel principal.

A história narra a vida e o percurso profissional de Howard Roark, arquitecto de grandes convicções e talento e de uma rectidão a toda a prova. Incapaz de fazer compromissos que desvirtuem o seu trabalho, Roark sofre anos a fio sucessivos golpes dos seus rivais, que o deixam várias vezes em grandes dificuldades e à beira de perder tudo. Esses duros contratempos não o fazem mover-se, nem um milímetro, da rota que traçou para si mesmo: A da integridade da sua obra, sem cedências nem contemplações de qualquer tipo.

Roark acaba por colher os frutos que semeou durante todo o seu percurso profissional, pois os seus clientes são-lhe fiéis e voltam sempre a dar-lhe trabalho e a recomendá-lo. A sua obra é perfeitamente irrepreensível e de uma coerência assinalável.

Sendo um personagem de ficção, Howard Roark reúne todas as qualidades para ser um herói dentro da profissão (o que efectivamente acontece – muitos arquitectos definem-no como o modelo a seguir, independentemente de haver exemplos muito mais reais que poderiam servir para o efeito). Há quem lhe encontre traços biográficos de um famoso arquitecto americano – Frank Lloyd Wright – também ele genial e completamente avesso a situações de compromisso. Esta associação terá também a ver com a confusa vida sentimental de ambos, personagem e indivíduo de carne e osso, nomeadamente com o envolvimento amoroso com uma cliente enquanto projectavam a sua casa.

O que para mim é essencial reter desta fábula é que, por mais dificuldades que encontremos, por mais negro que o futuro possa parecer, se seguirmos o caminho que o nosso instinto nos indica e formos persistentes, acabaremos por triunfar.

Lembrei-me de tudo isto nesta altura em que Steve Jobs nos deixou e tanto foi escrito sobre o seu legado e  percurso admiráveis.

A divulgação à escala planetária, nos dias a seguir ao seu desaparecimento, das suas ideias, discursos e citações, pelos media e redes sociais permite reconhecer, sem entrar em endeusamentos, um homem com traços de carácter idênticos aos de H. Roark.

Um e outro sofreram traições, tiveram altos e baixos, viveram com pouco e com muito, desenvolveram coisas extraordinárias, com uma ideia simples em mente: Tudo o que for menos do que a perfeição é insuficiente.

Teimosos, obstinados, obsessivos, visionários e revolucionários. Por vezes intratáveis. Mas por norma geniais.

Acho mesmo que Steve Jobs era o verdadeiro Roark. O Howard era só um personagem.

 

Outubro de 2011