Concepção

Concepção

Os arquitectos são uns viciados. Viciados em desenhar. Viciados em ver construídas as coisas que idealizaram. É uma sensação indescritível ver aparecer do nada e tomar forma um edifício que concebemos.

Há quem diga “deve ser semelhante a ter um filho”. Não é. Posso dizê-lo com segurança pois tenho 3 filhos. A sensação de ser pai é incomparavelmente mais forte e emotiva do que a relação que temos com os edifícios que projectamos. Não quer dizer que não haja algumas afinidades entre o processo de construir um edifício e o de criar um filho.

Durante a obra, se as coisas se desenrolarem como esperado, somos consultados em todas as dúvidas ou pelo menos nas mais relevantes. Há decerto casos negativos, em que pelas mais diversas questões o projecto é desvirtuado sem que possamos evitá-lo. Mas há também alturas em que conseguimos até melhorar situações que em projecto tinham sido menos bem ponderadas. E ao longo da empreitada envolvemo-nos emocionalmente com a nossa criação. Tentamos tudo para que fique o melhor possível. Defendemos ao máximo o nosso projecto. Discutimos, negociamos, zangamo-nos quando alguém erra ou adultera as nossas ideias, emocionamo-nos pelas pequenas coisas que correm realmente bem. E surpreendemo-nos sempre com algum pormenor que resultou até melhor do que esperávamos. Quando a obra termina e é entregue ao seu dono sentimos um misto de orgulho pelo dever cumprido e nostalgia de um tempo que sabemos que passou. E de facto deixa de ser nossa. Como uma criança que entrou na idade adulta.

Há alguns anos um edifício público que projectei foi inaugurado com pompa e circunstância. Para além do presidente da Câmara e de representantes das forças vivas da região, esteve presente o Presidente da República Portuguesa, acompanhado de uma vasta comitiva, e a população em massa. Depois dos discursos, elogios e momentos musicais da praxe, houve um jantar para todos os presentes na praça fronteira ao edifício. Pão, enchidos regionais, caldo verde e vinho, com o PR no meio do povo, com uma simplicidade desarmante, conversando calmamente com toda a gente. A democracia no seu melhor.

Durante mais de um ano percorri, uma ou mais vezes por mês, os cerca de 300km que separam Lisboa do local da obra, saindo de madrugada e chegando a casa noite dentro. Habitualmente regressava cansado, mas contente com os progressos. E quando o processo terminou, fez-me falta a rotina: O processo de maturação do edifício, de uma visita para outra, as conversas com o diligente e hábil engenheiro da obra, que cedo entendeu o que eu pretendia para o edifício e fez o possível para não defraudar as minhas expectativas, o entusiasmo com que o então presidente da câmara via o edifício crescer.

É uma experiência muito interessante, ainda que algo estranha, passearmos no meio da multidão que aprecia e critica o nosso trabalho sem ter a menor noção de quem somos ou do grau de envolvimento que temos com o que observam. As horas imensuráveis que nos tomou, os desafios que encerrou, as alegrias e tristezas que ali vivemos. Em última análise é disso que trata a arquitectura e assim que um arquitecto quer ser apreciado: pelo que imagina, concebe e constrói.